segunda-feira, 2 de junho de 2014

Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camareiro


* Podem requisitar este livro na biblioteca Ângelo Casal.

Tudo se passa numa povoação encostada ao mar a alguns quilómetros de uma cidade média. De inverno vivem ali pouco menos de dois mil habitantes, entre pescadores, gente pobre, famílias fugidas da urbe e alguns homens estranhos, apaixonados pelo mar ou desiludidos do resto.

Um prédio chegado à praia e um inverno pesado e frio, de cobertores húmidos e doenças nos pulmões que silvam ao respirar. O mar ouve-se de bravo e, quando não é o mar, é o vento a imitar-lhe a raiva. Dentro do prédio procura-se calor no que há: caldeiras, corpos e alimento.

Neste cenário decorre Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camareiro. O tempo é o que vai de um 25 de dezembro a um 1 de janeiro. 



As personagens são os moradores do prédio: o padre Daniel; a família de Bernardino e Manuela; Margarida, viúva, com os livros do marido holandês na sala; Adriano e Constança com a bebé Diana; e no rés-do-chão, David, o inquilino que mais se esconde.

Marco Moço anda à procura de despojos por aquelas praias – aquilo que na Galiza é chamado de crebas: o mar devolve à terra. Com os despojos, Marco Moço quer construir uma máquina para apanhar memórias.

Uma história são pessoas num lugar por algum tempo, diz-se algures no início do livro. O lugar não tem neste caso nome concreto – o leitor é que ativa o GPS das suas lembranças: como em Portugal e na Galiza não faltam lugares assim, acaba por imaginá-lo com nitidez.

O mar é que está sempre presente, ajudando com os seus despojos a fazer algum sentido desse quebra-cabeças de memórias e desejos que é qualquer Natal. Um mar aberto e imenso, como o dos poemas de Sophia Mello de Breyner Andresen, também citada neste livro.

Para quem vive no Purgatório, como estas criaturas em crise permanente, o caminho para o céu ou para o inferno depende apenas dos gestos mais pequenos, aqueles que garantem a sobrevivência e conseguem resgatar os despojos de amor que conseguem dar sentido à vida:

O amor não é fácil em nenhuma idade e dói tanto ceder-lhe como fugir-lhe. Mas o amor é o que há, e eu estou velho para morrer sozinho.

Do emaranhado de histórias deste livro, levantamos da areia a ironia delicada das palavras de Nuno Camareiro, que às vezes se aproximam da poesia sem chegar nunca a enjoar – essa qualidade na linguagem foi um dos argumentos para a atribuição do prémio Leya de 2012 ao livro.

Sou pobre, mas de sentimentos delicados, diz Colometa, a protagonista de La Plaça del Diamant, de Mercé Rodoreda. O mesmo podemos dizer das personagens que sobem e descem as escadas deste prédio, Debaixo de algum céu.

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