segunda-feira, 19 de maio de 2014

Neighbours, de Lília Momplé

Neighbours está na biblioteca da EOI, dentro do percurso de leitura Autoras Moçambicanas. 

Não sei o que surpreende mais ao pegar neste livro: o título em inglês, o quadro da pintora Catarina Temporário na capa; ou o subtítulo: Quem não sabe de onde vem, não sabe onde está nem para onde vai. 


"Neighbours" não é uma série de TV estadunidense, mas um romance desses que nos interrogam e desassossegam.

Na década de 80 do século passado, agentes sul-africanos, viajaram a Moçambique com a encomenda de perpetrar assassínios, em retaliação pelo acolhimento dado em Moçambique a membros do CNA (Congresso Nacional Africano), que naquela altura combatia o Apartheid. Em muitos casos o alvo dos ataques eram os vizinhos dos refugiados, e não eles próprios.

O Moçambique retratado neste livro ainda não chegara aos dez anos de independência, e estava submerso numa guerra civil que irá até 1992. A par da violência, o povo vive submerso em grandes dificuldades económicas, quando não mesmo miséria. A capital Maputo sofre grandes problemas de abastecimento, e os trabalhadores não têm poder de compra para ir além de uma alimentação mínima:


Com efeito, a farinha de milho e o repolho e, por vezes, o carapau congelado, têm sido, durante os três últimos anos, os únicos produtos acessíveis no mercado de Maputo. Quanto ao resto, ou não existe ou é vendido na candonga ou na Interfranca a cooperantes ou a uns tantos moçambicanos privilegiados ou ladrões. O trabalhador comum tem de contentar-se, diariamente, com a infalível upswa e o repolho que, na gíria popular, se tornou conhecido pelo agradecido nome de "se não fosses tu". 

A narrativa aproxima-nos tanto das vítimas quanto dos assassinos, em capítulos estruturados consoante as horas do mesmo dia. São méritos do livro esse  vaivém entre as luzes e as sombras, e a aproximação aos fatores humanos de um crime politicamente motivado.

Ora, as mulheres é que são as grandes protagonistas do romance. É frequente terem sido arrastadas a matrimónios com homens que pouco se importam com elas, quando não são abertamente infiéis ou mesmo violentos. Só nalguns casos essas mulheres se sobrepõem ao seu destino: a Muntaz que consegue estudar medicina sem apoio da família; a Leia que, depois de um casamento de conveniência, encontra um companheiro digno em Januário; ou a Mena que denuncia o assassínio que o seu marido está envolvido.

 
Com a história de Moçambique como pano de fundo, Neighbours é antes do mais a narrativa das pessoas concretas que acabam por ser vítimas de esquemas alheios a elas. Apesar da dureza das condições, sempre resta uma margem para a escolha entre o bem e o mal. 

Lilia Momplé também nos oferece um lampejo dos usos e costumes do país, no que toca, por exemplo, às comidas, relações de casal, coexistência entre línguas diversas, ou até as dificuldades para alugar um apartamento em Maputo. O glossário final é de grande ajuda, mas as dificuldades de vocabulário nunca chegam a atrapalhar a leitura.

Enfim: só têm de ir à biblioteca e começar a ler. Recomendo mesmo este Neighbours.

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