Maria
Velho da Costa escreveu estas crónicas em Londres, entre
dezembro de 1980 e outubro de 1982. A autora leva-nos da mão pela
cidade adiante, parando um bocado para descansar com as tílias do
jardim de Gordon Square à nossa volta. Da Inglaterra,
testemunhamos a depressão económica da época Thatcher e o começo
da guerra das Malvinas. De Portugal, ao longe, a deceção que se
seguiu ao fim do processo revolucionário do 25 de abril. O tom é
confessional, quase de carta. Para seguir os meandros da prosa,
alguns parágrafos pedem uma segunda leitura.
O
clube de leitura Tuga-Lugo-Lendo vai-se debruçar sobre Myra,
desta mesma autora. Foi por isso que levei emprestado O Mapa
Cor de Rosa da biblioteca de filologia da USC, onde loguinho
o voltarei a deixar para o caso de que alguém mais se anime a lê-lo.
Apanhado numa época de bastante trabalho, umas crónicas davam-me
jeito para ler entre insónia e insónia. Atraíram-me as ilustrações
do argentino Oscar Zarate que acompanham a primeira edição do
livro: três punks no metro, o escritório da autora, Virginia Woolf
lendo num parque.
O Mapa de Cor de Rosa que dá título ao livro diz
respeito às pretensões de Portugal, no último quartel do século
XIX, de estender o seu império do Atlântico (Angola) ao Índico
(Moçambique), que seriam frustradas pelo Ultimato
britânico de 1890, que exigia a Portugal a retirada dos
territórios dos atuais Zimbaué e Zâmbia – memorando que
seria interpretado como uma traição à antiga aliança
luso-britânica.
Fonte da imagem: blogluso-carioca.blogspot.com
O
Londres de que fala Maria Velho acompanha bastante bem este janeiro
de 2014 em Compostela, em três eixos de desassossego: crise, exílio
e invernia.
O
desemprego, as privatizações e subidas de preços de bens básicos
deixavam poucas abertas para a esperança naquele começo da anos 80
na Inglaterra, também marcados pelo aumento da xenofobia e o começo
da guerra das Malvinas, sobre a qual a autora se interroga
repetidamente. No pano de fundo, vemos também pairar a rainha
vestida de cor-de-rosa, e Ronald Reagan em visita oficial.
O
exílio começa no próprio ato da escrita: porque se escreve
sempre em terra alheia, em língua que não é mãe, assim entre
amante e madrasta. Londres já
entrara na literatura portuguesa da mão do Eça, Ramalho Ortigão,
Almeida Garrett, e outros. Jorge de Sena vivia na cidade naquela
altura, e o livro presta-lhe homenagem nos versos iniciais. Desse
espaço de exílio parte-se para o exercício de dar sempre
mais e mais voltas em
volta de Portugal – e
sempre com a saudade, o
sarcasmo e o amor doentio interligados das mais intrincadas maneiras.
Ora,
para salvar este túnel sem saída da
ciclogénese de janeiro em Compostela, veio
a
Maria Velho da Costa com a invernia de Londres embrulhada
em papel de fish and chips
– peixe com patacas fritas, em jeito de louvor da gordura.
De tarde em tarde, de rua em rua, de abandono em abandono, somos
levados a encontrar um ponto de fuga no meio da desolação
e a indolência:
São
cinco horas da tarde. Em novembro, às três e meia cai o dia, às
quatro a noite cerrada. Chove, essa chuva de Londres que raro jorra
em toalha que escoe os céus. Está hoje porém um vendaval desusado,
a rajada longa que arranca o que resta da folha viva e miúda, os
jardins e parques em assembleias iradas; de braços ao ar, num rugir
e estalar de ramos. Como o inverno é propício para a alegria, ao
prazer do trabalho, aos trabalhos do prazer. É o tempo da luz dentro
da casa, da consolidação dos afetos e das casas, onde as memórias
se consolidam com vagas dormentes.
E se o livro leva o Mapa Cor de Rosa na capa, não é por acaso que a
última crónica leve por título Tratado
de Windsor, que em 1383 deu
início à longa aliança luso-britânica. O encontro entre o Duque
de Lencastre – que vinha de Celanova – e o rei D. João I
aconteceu na Ponte
do Mouro, no concelho de
Monção. Sim, estivemos bem pertinho dali na visita da EOI
Santiago a Monção, no dia 25
de janeiro. Eis outra das vias avessas que trazem este Mapa
Cor de Rosa da Maria
Velho da Costa à Compostela em janeiro de 2014.
Fonte da imagem: Wikipédia.
Londres não é a cidade de Maria
Velho da Costa – mas
dificilmente adoptaria outra para tão íntima passagem de estar,
diz ela no fim.
Lindo. O artigo também convida à leitura e é ponto de fuga entre ciclogéneses
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