terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Mapa Cor de Rosa, de Maria Velho da Costa


Maria Velho da Costa escreveu estas crónicas em Londres, entre dezembro de 1980 e outubro de 1982. A autora leva-nos da mão pela cidade adiante, parando um bocado para descansar com as tílias do jardim de Gordon Square à nossa volta. Da Inglaterra, testemunhamos a depressão económica da época Thatcher e o começo da guerra das Malvinas. De Portugal, ao longe, a deceção que se seguiu ao fim do processo revolucionário do 25 de abril. O tom é confessional, quase de carta. Para seguir os meandros da prosa, alguns parágrafos pedem uma segunda leitura. 



O clube de leitura Tuga-Lugo-Lendo vai-se debruçar sobre Myra, desta mesma autora. Foi por isso que levei emprestado O Mapa Cor de Rosa da biblioteca de filologia da USC, onde loguinho o voltarei a deixar para o caso de que alguém mais se anime a lê-lo. Apanhado numa época de bastante trabalho, umas crónicas davam-me jeito para ler entre insónia e insónia. Atraíram-me as ilustrações do argentino Oscar Zarate que acompanham a primeira edição do livro: três punks no metro, o escritório da autora, Virginia Woolf lendo num parque.

O Mapa de Cor de Rosa que dá título ao livro diz respeito às pretensões de Portugal, no último quartel do século XIX, de estender o seu império do Atlântico (Angola) ao Índico (Moçambique), que seriam frustradas pelo Ultimato britânico de 1890, que exigia a Portugal a retirada dos territórios dos atuais Zimbaué e Zâmbia – memorando que seria interpretado como uma traição à antiga aliança luso-britânica. 


O Londres de que fala Maria Velho acompanha bastante bem este janeiro de 2014 em Compostela, em três eixos de desassossego: crise, exílio e invernia.

O desemprego, as privatizações e subidas de preços de bens básicos deixavam poucas abertas para a esperança naquele começo da anos 80 na Inglaterra, também marcados pelo aumento da xenofobia e o começo da guerra das Malvinas, sobre a qual a autora se interroga repetidamente. No pano de fundo, vemos também pairar a rainha vestida de cor-de-rosa, e Ronald Reagan em visita oficial.

O exílio começa no próprio ato da escrita: porque se escreve sempre em terra alheia, em língua que não é mãe, assim entre amante e madrasta. Londres já entrara na literatura portuguesa da mão do Eça, Ramalho Ortigão, Almeida Garrett, e outros. Jorge de Sena vivia na cidade naquela altura, e o livro presta-lhe homenagem nos versos iniciais. Desse espaço de exílio parte-se para o exercício de dar sempre mais e mais voltas em volta de Portugal – e sempre com a saudade, o sarcasmo e o amor doentio interligados das mais intrincadas maneiras.

Ora, para salvar este túnel sem saída da ciclogénese de janeiro em Compostela, veio a Maria Velho da Costa com a invernia de Londres embrulhada em papel de fish and chips – peixe com patacas fritas, em jeito de louvor da gordura. De tarde em tarde, de rua em rua, de abandono em abandono, somos levados a encontrar um ponto de fuga no meio da desolação e a indolência:

São cinco horas da tarde. Em novembro, às três e meia cai o dia, às quatro a noite cerrada. Chove, essa chuva de Londres que raro jorra em toalha que escoe os céus. Está hoje porém um vendaval desusado, a rajada longa que arranca o que resta da folha viva e miúda, os jardins e parques em assembleias iradas; de braços ao ar, num rugir e estalar de ramos. Como o inverno é propício para a alegria, ao prazer do trabalho, aos trabalhos do prazer. É o tempo da luz dentro da casa, da consolidação dos afetos e das casas, onde as memórias se consolidam com vagas dormentes.

E se o livro leva o Mapa Cor de Rosa na capa, não é por acaso que a última crónica leve por título Tratado de Windsor, que em 1383 deu início à longa aliança luso-britânica. O encontro entre o Duque de Lencastre – que vinha de Celanova – e o rei D. João I aconteceu na Ponte do Mouro, no concelho de Monção. Sim, estivemos bem pertinho dali na visita da EOI Santiago a Monção, no dia 25 de janeiro. Eis outra das vias avessas que trazem este Mapa Cor de Rosa da Maria Velho da Costa à Compostela em janeiro de 2014.

 Fonte da imagem: Wikipédia.

Londres não é a cidade de Maria Velho da Costa – mas dificilmente adoptaria outra para tão íntima passagem de estar, diz ela no fim.


1 comentário:

  1. Lindo. O artigo também convida à leitura e é ponto de fuga entre ciclogéneses

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