terça-feira, 3 de junho de 2014

Sou um rio - O Minho



Os rios da Lusofonia continuam a falar com a ajuda dos estudantes do nível intermédio. Eis mais um exemplo, este de uma aluna da turma das 19h30.

* Reparem em que os nomes compostos de espécies zoológicas e botânicas se escrevem com hífen, ao abrigo do acordo ortográfico.  

Sou o Rio Minho. Sou um dos mais pequenos da Península Ibérica, mas sou o mais importante, porque algum dia conseguirei unir Portugal e a Galiza.
 

Há muito tempo que ouço falar nas minhas duas margens, ou talvez ouço murmúrios sobre a semelhança de galegos e portugueses. Ah!, a língua é muito parecida!


Eu tento que os dois povos se unam através do traço que faço no meu leito cheio de água. O meu caudal de água é a linha que une muitas aldeias e cidades do Minho Norte e Minho Sul.


Sempre me sinto contente, volto a nascer e a passar por Melgaço, pois é então que sinto o murmúrio das gentes de Rosalia de Castro por um lado, e das gentes de Camões pela outra beira.



Fonte da fotografia: riosdeportugal.webnode.pt
(Imagem etiquetada com licença de uso sem fins lucrativos)
Ofereço os meus presentes a todos estes povos por igual:  a mesma água; e além disso, truta, lampreia, enguia e salmão.


Preocupa-me o aumento de poluição fluvial, que pode provocar a morte de muitos peixes.


De tanto falar com as duas beiras desde Melgaço, volto-me rouco, mas aceito o destino da minha morte a caminho do Atlântico,  apesar de que logo voltarei a nascer.


Até à próxima, quando eu voltar a nascer. 


segunda-feira, 2 de junho de 2014

Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camareiro


* Podem requisitar este livro na biblioteca Ângelo Casal.

Tudo se passa numa povoação encostada ao mar a alguns quilómetros de uma cidade média. De inverno vivem ali pouco menos de dois mil habitantes, entre pescadores, gente pobre, famílias fugidas da urbe e alguns homens estranhos, apaixonados pelo mar ou desiludidos do resto.

Um prédio chegado à praia e um inverno pesado e frio, de cobertores húmidos e doenças nos pulmões que silvam ao respirar. O mar ouve-se de bravo e, quando não é o mar, é o vento a imitar-lhe a raiva. Dentro do prédio procura-se calor no que há: caldeiras, corpos e alimento.

Neste cenário decorre Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camareiro. O tempo é o que vai de um 25 de dezembro a um 1 de janeiro. 



As personagens são os moradores do prédio: o padre Daniel; a família de Bernardino e Manuela; Margarida, viúva, com os livros do marido holandês na sala; Adriano e Constança com a bebé Diana; e no rés-do-chão, David, o inquilino que mais se esconde.

Marco Moço anda à procura de despojos por aquelas praias – aquilo que na Galiza é chamado de crebas: o mar devolve à terra. Com os despojos, Marco Moço quer construir uma máquina para apanhar memórias.

Uma história são pessoas num lugar por algum tempo, diz-se algures no início do livro. O lugar não tem neste caso nome concreto – o leitor é que ativa o GPS das suas lembranças: como em Portugal e na Galiza não faltam lugares assim, acaba por imaginá-lo com nitidez.

O mar é que está sempre presente, ajudando com os seus despojos a fazer algum sentido desse quebra-cabeças de memórias e desejos que é qualquer Natal. Um mar aberto e imenso, como o dos poemas de Sophia Mello de Breyner Andresen, também citada neste livro.

Para quem vive no Purgatório, como estas criaturas em crise permanente, o caminho para o céu ou para o inferno depende apenas dos gestos mais pequenos, aqueles que garantem a sobrevivência e conseguem resgatar os despojos de amor que conseguem dar sentido à vida:

O amor não é fácil em nenhuma idade e dói tanto ceder-lhe como fugir-lhe. Mas o amor é o que há, e eu estou velho para morrer sozinho.

Do emaranhado de histórias deste livro, levantamos da areia a ironia delicada das palavras de Nuno Camareiro, que às vezes se aproximam da poesia sem chegar nunca a enjoar – essa qualidade na linguagem foi um dos argumentos para a atribuição do prémio Leya de 2012 ao livro.

Sou pobre, mas de sentimentos delicados, diz Colometa, a protagonista de La Plaça del Diamant, de Mercé Rodoreda. O mesmo podemos dizer das personagens que sobem e descem as escadas deste prédio, Debaixo de algum céu.

Receita de palavras

Nesta tarefa pedia-se a redação de uma receita onde a própria língua portuguesa fosse a cozinhada. Vejam que gostosa ideia esta aqui em baixo, de uma estudante da turma do básico das 20h30. Regalem-se com ela para preparar o teste. 

“VITELA DE CASA JOSÉ”

Ingredientes:

8 consoantes: v, t, l, d, c, s, j, s
8 vogais: i, e, a, e, a, a, o, e
1 acento
8 sons consoantes: [v], [t], [l], [d], [k], [z] acompanhado de um pequeño zângão, [ʒ ] acompanhado duma joaninha mediana e outra [z], mas acompanhado dum zângão maior.
8 vogais orais: [i], [ɛ ], [a], [e], [a], [ɐ ], [o], [ɛ ]
Sotaque português q.b.

Confeção:

Pôr ao lume num tacho as oito consoantes e mexer bem. A seguir, deitar as oito vogais e o acento. Não deixar de mexer. Esperar 5 minutos e adicionar os oito sons consoantes e as 8 vogais orais. Deixar ferver em lume brando.

Noutro tacho deitar a joaninha, os zângãos e temperar com sotaque português quanto baste. Este será o molho. Deixar em lume brando 10 minutos e passar com a varinha mágica.

Por último, servir num prato: deitamos a mistura das vogais, consoantes, acento, sons consoantes e vogais orais, e cobrimos com o molho.

Bom apetite!

domingo, 1 de junho de 2014

Experiência de uma estudante da EOI, agora em Lisboa


Uma estudante de português do nível intermédio viajou este ano a Portugal, onde tirou bastante proveito dos seus conhecimentos prévios da língua. Atualmente ela está a trabalhar mantendo este blogue que vos animo a consultar - tem alguma postagem em inglês, mas a maioria em português. 

E além disso, escreveu o texto que segue em baixo sobre a sua experiência em Portugal. Muito obrigado a ela por partilhar.

Estudar português

Quando no ano 2012 decidi aprender uma língua nova, já o alemão andava na moda na Escola de Línguas de Compostela. Já todas as pessoas estavam a querer ir-se embora para o que parecia ser a terra prometida. Na altura, eu preferi o português. Não apenas porque achei que ao ser uma língua próxima ao galego a aprendizagem seria muito mais rápida, mas também porque me abria todo um mundo de possibilidades: quase 250 milhões de falantes e a emergência do Brasil como uma das novas potências económicas no mundo pintavam um panorama bastante estimulante para o estudo. E aconteceu que, afinal, o ensejo chegou desde muito mais perto.  

Em Julho de 2013 fui selecionada pela associação juvenil Rota Jovem de Cascais para um projecto do Serviço Voluntário Europeu de dez meses de duração. Era uma oportunidade imensa para mim a todos os níveis, também a nível de língua. Dez meses em Portugal dariam para pôr em prática tudo o aprendido durante o meu primeiro ano a estudar português, e também para aprender diretamente com falantes nativos, numa imersão linguística e cultural completa. E assim está a ser. Ainda por cima, entre as tarefas do meu projeto na Rota Jovem está a dinamização do blogue da associação (http://blog.rotajovem.com/), não deixem de ler o que lá tenho escrito até agora), que está a permitir-me melhorar o meu desempenho na escrita de uma maneira extraordinária e exponencial. Para já, é muito gratificante verificar como com cada texto as necessidades de pesquisa mudam e como se vão incorporando palavras e expressões que passam já a fazer parte do léxico próprio. A escrita do blogue está a ser, portanto, uma grande aprendizagem e uma grande satisfação, e tem contribuído imenso à minha auto-confiança no uso da língua, também no nível oral. Contudo, ainda me fica muito por aprender e melhorar, e nisso estou, pelo menos, até Agosto.
É assim que o português me está a dar uma variedade infinita de opções que nem poderia ter imaginado quando comecei a estudá-lo. Estou envolvida num projeto que me satisfaz enormemente e que colmata com acréscimo as minhas expetativas, e é em grande medida por ter conhecimentos linguísticos e muita disposição e vontade para melho-los que tudo está a correr tão bem. Enquanto galegas e galegos, temos uma oportunidade gigante que deveríamos saber ver e querer aproveitar porque está aí, mesmo ao pé de nós. Aprender português sendo galego é uma vantagem incomensurável da qual só agora eu sou totalmente consciente, e só depende de nós próprios tirar partido dela.