* Podem requisitar este livro na biblioteca Ângelo Casal.
Tudo se passa numa povoação encostada ao mar a alguns
quilómetros de uma cidade média. De inverno vivem ali pouco menos
de dois mil habitantes, entre pescadores, gente pobre, famílias
fugidas da urbe e alguns homens estranhos, apaixonados pelo mar ou
desiludidos do resto.
Um prédio chegado à praia e um inverno pesado e frio, de
cobertores húmidos e doenças nos pulmões que silvam ao respirar. O
mar ouve-se de bravo e, quando não é o mar, é o vento a imitar-lhe
a raiva. Dentro do prédio procura-se calor no que há: caldeiras,
corpos e alimento.
Neste cenário
decorre Debaixo de Algum Céu, de Nuno Camareiro. O
tempo é o que vai de um 25 de dezembro a um 1 de janeiro.
As personagens são
os moradores do prédio: o padre Daniel; a família de Bernardino e
Manuela; Margarida, viúva, com os livros do marido holandês na
sala; Adriano e Constança com a bebé Diana; e no rés-do-chão,
David, o inquilino que mais se esconde.
Marco Moço anda à
procura de despojos por
aquelas praias – aquilo que na Galiza é chamado de crebas:
o mar devolve à terra. Com os despojos, Marco Moço quer construir
uma máquina para apanhar memórias.
Uma história são
pessoas num lugar por algum tempo,
diz-se algures no início do livro. O lugar não tem neste caso nome
concreto – o leitor é que ativa o GPS das suas lembranças:
como em Portugal e na Galiza não faltam lugares assim, acaba por
imaginá-lo com nitidez.
O
mar é que está sempre presente, ajudando com os seus despojos a
fazer algum sentido desse quebra-cabeças de memórias e desejos que
é qualquer Natal. Um mar aberto e imenso, como o dos poemas de
Sophia Mello de Breyner Andresen, também citada neste livro.
Para
quem vive no Purgatório, como estas criaturas em crise permanente, o
caminho para o céu ou para o inferno depende apenas dos gestos mais
pequenos, aqueles que garantem a sobrevivência e conseguem resgatar
os despojos de amor que conseguem dar sentido à vida:
O amor não é
fácil em nenhuma idade e dói tanto ceder-lhe como fugir-lhe. Mas o
amor é o que há, e eu estou velho para morrer sozinho.
Do
emaranhado de histórias deste livro, levantamos da areia a ironia
delicada das palavras de Nuno Camareiro, que às vezes se aproximam
da poesia sem chegar nunca a enjoar – essa qualidade na linguagem
foi um dos argumentos para a atribuição do prémio Leya de 2012 ao
livro.
Sou
pobre, mas de sentimentos delicados, diz Colometa, a protagonista
de La Plaça del Diamant, de Mercé Rodoreda. O mesmo podemos dizer
das personagens que sobem e descem as escadas deste prédio, Debaixo
de algum céu.
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